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Dificuldade na participação social e o descompasso no acesso à saúde no Brasil

  • Foto do escritor: Mayara Figueiredo Viana
    Mayara Figueiredo Viana
  • 1 de ago.
  • 5 min de leitura

Atualizado: 4 de ago.


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Nos últimos anos, a sociedade civil tem observado um descompasso crescente entre a incorporação de tecnologias em saúde aprovada pela Conitec e a sua efetiva disponibilização à população brasileira. Essa lacuna tem gerado frustração social, reduzido a confiança nas Consultas Públicas e comprometido o direito constitucional ao acesso ao tratamento adequado.

Embora os processos de incorporação tenham avançado em termos de diversidade de medicamentos e condições contempladas, diversos casos recentes comprovam que a simples aprovação de uma tecnologia não tem garantido o acesso real no SUS. 


1. Contexto: diminuição da participação social nas CPs da Conitec

Observou-se uma queda significativa nas contribuições às Consultas Públicas da Conitec desde o final de 2024, tendência que se acentuou em 2025. Esse fenômeno impactou negativamente campanhas importantes e levantou preocupações sobre a legitimidade e eficácia do processo participativo nas políticas públicas de saúde (cerca de 40%).

O Boletim BIS da Conitec (fev 2025) destaca que a participação social é elemento estruturante da Avaliação de Tecnologias em Saúde (ATS), mas reconhece que é necessário fortalecer a transparência, ampliar a inclusão e gerar confiança para assegurar a equidade nas decisões.


2. Barreiras identificadas

A migração para a plataforma Participa + Brasil, em março de 2022, introduziu a exigência de login com conta gov.br — um entrave que antes não existia. Essa mudança restringiu o envio de contribuições e impactou a experiência de participação cidadã.

Somam-se a isso:

  • A migração do Participa + Brasil para Brasil Participativo

  • A baixa familiaridade digital de parte da população;

  • A desigualdade regional e socioeconômica no acesso à internet (uso via smartphones e as diferenças quando acessado pelo IOS ou android.

  • A falta de usabilidade da nova plataforma.

  • Validações que geram mais fricções e desestimulam a participação. 

Esses fatores dificultam especialmente a participação de pessoas de baixa escolaridade ou mais idade (analfabetismo digital), resultando em baixa diversidade no perfil de contribuintes (com predominância de participantes brancos, média renda e residentes na Região Sudeste).


3. Perda de confiança e sensação de ineficácia

Um levantamento recente indicou que 63,1% das pessoas que já participaram de consultas públicas não acreditam que suas contribuições sejam efetivamente consideradas pela Conitec, mesmo que 80% reconheçam a importância do mecanismo participativo.

Dados adicionais revelam que apenas 9% das consultas públicas resultam em mudanças de recomendação preliminar entre 2012 e 2017, reforçando a percepção de que o processo é simbólico e pouco responsivo.


4. Obstruções à efetivação dos PCDTs

Há um padrão recorrente de tecnologias que são formalmente incorporadas ao SUS, mas não são implementadas na prática. Mesmo após a aprovação de novos medicamentos, muitos PCDTs não são atualizados, não são publicados, ou não há pactuação com os entes federados. Em alguns casos, mesmo com a inclusão na RENAME e anúncios oficiais de que os tratamentos estariam disponíveis, a população segue sem acesso real aos medicamentos.

Essa desconexão entre incorporação e disponibilização mina a credibilidade do processo, perpetua desigualdades e compromete a confiança da sociedade.


5. Exemplos concretos de tecnologias incorporadas sem acesso efetivo

a) Doença de Crohn

  • Foram incorporados ustekinumabe (jan/2024), vedolizumabe (mai/2025) e está em análise o infliximabe subcutâneo.

  • O PCDT vigente é de 2017, sem atualizações completas.

  • Não há pactuação formalizada ou dispensação desses medicamentos, embora os mesmos estejam incorporados e com demanda crescente entre os pacientes.


b) Doença de Fabry

  • O PCDT foi publicado em janeiro de 2025 e a terapia enzimática (alfagalsidase) incluída na RENAME.

  • Contudo, a disponibilização do tratamento ainda não foi efetivada, sem pactuação ou dispensação nos serviços do SUS.


c) Anemia por deficiência de ferro

  • Foram incorporadas: derisomaltose férrica (Monofer®), carboximaltose férrica (Ferrinject®) e ferripolimaltose.

  • O PCDT vigente é de 2014, e a nova versão permanece sem publicação oficial.

  • Sem atualização, os medicamentos seguem indisponíveis à população.


d) Asma infantil

  • O mepolizumabe foi incorporado para pacientes de 6 a 17 anos com asma eosinofílica grave.

  • O PCDT ainda não foi atualizado para refletir essa nova indicação, e não há pactuação nem dispensação para esse grupo etário.


e) DPOC

  • A Conitec incorporou novos medicamentos no segundo semestre de 2024.

  • A atualização do PCDT só entrou em consulta pública em 2025, após mais de seis meses da incorporação.

  • A CP foi encerrada em junho de 2025, mas não há previsão de publicação nem início de acesso aos medicamentos incorporados.


f) Dermatite Atópica

  • Foram incorporados imunobiológicos e cremes de uso tópico.

  • O PCDT não foi atualizado desde então, e nenhum dos medicamentos está sendo dispensado pelo SUS.

  • Apesar de anúncios oficiais sobre disponibilização, não houve pactuação ou integração com as redes de atenção.


g) Retinopatia Diabética

  • Desde 2022 medicamentos aprovados e ainda não possui PCDT atualizado e tratamentos listados no SIGTAP para dispensação via SUS. Desde abril de 2024 aguardamos o PCDT.



Pontos de Atenção

  • É necessário estabelecer indicadores claros de tempo entre aprovações, publicações dos PCDTs e disponibilização dos tratamentos.

  • Articular com gestão de redes estaduais e municípios para verificar por que pactuações ainda não se traduzem em entregas.

  • Comunicação transparente com usuários (pacientes, profissionais de saúde), informando cronograma de entrada efetiva dos medicamentos após aprovação. Deixar claro que aprovação e pactuação não garantem acesso real aos tratamentos. Não fazer publicações que não refletem a realidade.

  • Incorporação ≠ Acesso: Aprovação sem publicação efetiva do PCDT ou pactuação inviabiliza o uso clínico.

  • Descompasso institucional: Protocolos desatualizados (2014, 2017) contrastam com novas incorporações, sem cronograma de operacionalização.

  • Ineficiência no acesso equitativo: Impacto direto em pacientes com condições graves, que aguardam terapias modernas há mais de 18 meses.


Nos últimos anos, a sociedade civil tem observado um descompasso crescente entre a incorporação de tecnologias em saúde aprovada pela Conitec e a sua efetiva disponibilização à população brasileira. Essa lacuna tem gerado frustração social, reduzido a confiança nas Consultas Públicas e comprometido o direito constitucional ao acesso ao tratamento adequado.

Embora os processos de incorporação tenham avançado em termos de diversidade de medicamentos e condições contempladas, diversos casos recentes comprovam que a simples aprovação de uma tecnologia não tem garantido o acesso real no SUS. 


Conclusão

Esses exemplos demonstram que a crise de confiança nas Consultas Públicas e nos processos de Avaliação de Tecnologias em Saúde não é infundada, mas sim reflexo de uma ineficiência sistêmica entre incorporação e efetiva entrega. Mesmo com decisões positivas por parte da Conitec, os tratamentos não chegam à ponta, seja por atraso na publicação de protocolos, falhas na pactuação ou ausência de logística para dispensação.


É urgente que o Ministério da Saúde:


  • Repense mecanismos de participação social em consultas públicas

  • Estabeleça prazos vinculantes e transparentes para cada etapa: incorporação, atualização de PCDT, pactuação e dispensação;

  • Reforce a coordenação com estados e municípios para garantir que decisões se convertam em realidade assistencial.


Por Soraya Araújo Sócia da Colabore com o Futuro.


 
 
 

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